Mo Hayder é para mim, a rainha do gore sob a forma literária. Os elementos descritivos altamente realistas de violência não são propriamente fáceis de digerir, sobretudo para as pessoas mais impressionáveis. Não tendo lido os livros por ordem, gostei de ler
Pele e ao ler
Os Pássaros da Morte, a autora ganhou um lugar cativo nos meus autores preferidos.
O primeiro pormenor que salta à vista, imediatamente na capa, é a recomendação deste livro por Tess Gerritsen, uma outra autora que prezo e que ao mesmo tempo, possui um estilo de escrita relativamente semelhante ao de Hayder, no que concerne à descrição de pormenores, dotando-os de um hábil mas natural cariz perturbador. Um outro pormenor inerente à edição do livro em Portugal é a não adopção (por enquanto para já) do acordo ortográfico por parte das Publicações Europa América. Uma medida que felicito e desejo que seja mantida até porque e mais uma vez tenho que confessar, sou completamente contra este novo acordo ortográfico...
Posto isto, debrucemo-nos então na análise deste livro. Em Perdida, Hayder opta por um registo diferente, e reprime os níveis de violência. Ao invés de um homicídio brutal, a autora escolhe explorar o desaparecimento de uma menina, que acontece em circunstâncias pouco usuais: num caso de carjacking. E o homem usa uma estranha máscara de Pai Natal, não conseguindo ser identificado. Quando este tipo envia uma carta perturbadora, Caffery acredita que ele vai roubar um outro carro com uma outra criança, tornando-se óbvio que ele não vai parar até que o impeçam.
O caso agrava-se quando a próxima vítima promete ser a filha do casal disfuncional Janice e Cory.
Caffery sabe que em casos como este, quanto mais tempo a criança estiver desaparecida, menores são as probabilidades de esta aparecer com vida. Por isso há toda uma ânsia muito natural por parte do leitor em acompanhar a história para conhecer o desenlace da criança raptada. E é aqui que aponto uma fragilidade no enredo. A pequena Martha, raptada logo no início, e após alguns instantes de descrição da investigação, deixa de ser subitamente mencionada na história. É quase como se a moça desaparecesse por instantes. Porém neste período são explorados uns tantos outros pontos que enriquecem a trama. Como por exemplo a vulnerabilidade de um jovem casal, já com problemas matrimoniais quando percebe que a sua jovem filha de cinco anos, Emily, poderá ter um destino muito semelhante ao de Martha.
De resto, pontos positivos para a organização do enredo, em que as subtramas estão intercaladas e narradas em capítulos pequenos; a descrição do jogo entre polícia/sequestrador, muitíssimo bem conseguida; a riqueza das personagens, especialmente as mães das garotas sequestradas, o que faz com que soframos de uma forma real, e durante todo o enredo, perguntando-nos constantemente qual terá sido o desfecho delas.
Para além da história principal do carjacking e sequestros, há um par de histórias subjacentes, que envolvem Jack Caffrey e outros membros da equipa. Inteligentemente, a autora incorpora fantasmas do passado na vida de Caffery e de Marley (e aparentemente, estes continuarão a estar bem presentes nas suas existências), de forma a que o leitor sinta uma empatia e compaixão imediata com estas personagens. Parece um cliché é certo, mas quem já acompanha a série de Jack Caffery conhece a sua infância terrível e quem leu Pele, conhece os traumas de Flea Marley. A intuição aguçada desta pode muito bem levá-la a ter problemas neste livro!
Os livros de Mo Hayder protagonizados por Caffery constituem uma saga, que se iniciou com os Pássaros da Morte. Como uma saga poderá haver aventuras independentes ou não. E neste livro, com tantas menções a Misty Kitson, torna-se quase imprescindível a leitura prévia de Pele antes deste livro, Perdida. Contudo quase que há um reverso da medalha: quem lê Perdida ou os Pássaros da Morte, está expectante com as várias passagens de violência gratuita que neste livro, raramente existem. Mo Hayder faz assim uma passagem do policial convencional e violento para um thriller mais de cariz psicológico.
É um tema igualmente polémico envolto numa narrativa poderosa, a aflição junta-se ao tom dramático. O rapto de crianças será sempre um factor lancinante e Hayder utiliza-o como ponto de partida para uma história onde o ritmo é quase sufocante e o leitor pensa constantemente: "time is running out". E depois a autora soube pegar num tema e desenvolvê-lo de forma a que o resultado fosse pouco cliché.
E não é apenas a história de um simples rapto. É a análise fria e crua de temáticas como a pedofilia, a negligência por parte de um marido, a impotência dos pais face ao rapto de uma filha.
Recomendo! Constitui uma leitura interessante e sobretudo constitui um relato impressionante para quem experiencia a maternidade.