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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

João Pinto Coelho - Perguntem à Sarah Gross [Opinião]


Sinopse: Fora ali que Sarah Gross aprendera a ser feliz. Mas eles chegaram e mudaram tudo.
Até o nome da cidade. Auschwitz?
Que raio era Auschwitz?

Em 1968, Kimberly Parker, uma jovem professora de Literatura, atravessa os Estados Unidos para ir ensinar no colégio mais elitista da Nova Inglaterra, dirigido por uma mulher carismática e misteriosa chamada Sarah Gross. Foge de um segredo terrível e procura em St. Oswald’s a paz possível com a companhia da exuberante Miranda, o encanto e a sensibilidade de Clement e sobretudo a cumplicidade de Sarah. Mas a verdade persegue Kimberly até ali e, no dia em que toma a decisão que a poderia salvar, uma tragédia abala inesperadamente a instituição centenária, abrindo as portas a um passado avassalador.
Nos corredores da universidade ou no apertado gueto de Cracóvia; à sombra dos choupos de Birkenau ou pelas ruas de Auschwitz quando ainda era uma cidade feliz, Kimberly mergulha numa história brutal de dor e sobrevivência para a qual ninguém a preparou.
Rigoroso, imaginativo e profundamente cinematográfico, com diálogos magistrais e personagens inesquecíveis, Perguntem a Sarah Gross é um romance trepidante que nos dá a conhecer a cidade que se tornou o mais famoso campo de extermínio da História.

Opinião do Ricardo: Perguntem a Sarah Gross é uma obra da autoria de João Pinto Coelho e publicada pela D. Quixote, tendo sido também uma das obras finalistas do Prémio Leya 2014. O autor, embora de nacionalidade portuguesa, poder-se-á dizer que é “um cidadão do Mundo”, parafraseando a famosa frase atribuída ao filósofo Sócrates através, naturalmente, do seu principal discípulo, Platão. O autor nasceu em Londres mas viveu a maior parte da sua vida em Lisboa, embora tenha também passado, por diversas vezes, pelos Estados Unidos. Embora arquitecto de formação, nos últimos anos, João Pinto Coelho tem-se dedicado a estudar o tema do Holocausto, tema esse que não é despiciendo quando falamos da presente obra.

A trama gira em torno da figura de Sarah Gross, uma mulher que nos é apresentada como tendo um certo carisma austero mas que se vai revelando, simultaneamente, como alguém de espírito doce, tenaz e até visionário procurando superar barreiras sociais e quebrar determinados estereótipos que se encontram enraizados no local onde decorre uma parte substancial da acção, o enigmático colégio de St. Oswald’s, situado na região da Nova Inglaterra, na costa Leste dos Estados Unidos e frequentado pelos descendentes das elites norte-americanas.

Estamos perante uma obra que contém duas narrativas paralelas, residindo neste ponto a primeira crítica à presente obra. Se no caso de uma das narrativas, sabemos que a mesma é feita por Kimberly Parker, uma jovem professora cujo destino leva até ao colégio de St. Oswald’s, o facto é que é uma segunda narrativa que nos dá a conhecer o percurso da vida de Sarah desde a sua infância até à idade adulta, sendo esta feita por narrador não participativo e omnisciente ou, pelo menos, assim pensamos até uma fase já adiantada da obra, na altura em que ambas as narrativas se cruzam.

No que concerne à narrativa de Kimberly poder-se-á dizer que a mesma é temporalmente mais estática, uma vez que se desenrola ao longo de alguns meses, centrando-se no processo de adaptação desta mesma personagem ao colégio e à sua relação com alguns membros já instalados naquele reduto elitista como Miranda, Clement, Mr. Forrester e, claro, Sarah Gross, ao mesmo tempo que Kimberly vai lidando com alguns dos “fantasmas” do seu passado numa narrativa lenta mas cuja tensão vai aumentando até ao seu zénite que dá lugar a um longo anti-climax (demasiado longo, acrescentamos), mal as narrativas se fundem.

Falando ainda da segunda narrativa, esta decorre ao longo dos vários anos que medeiam entre o nascimento de Sarah e a sua chegada à idade adulta, centrando-se tanto nela como nos seus progenitores, Henryk e Anna, como na sua amiga Esther, estabelecendo-se um notório paralelismo entre a adaptação a uma nova vida por parte de Sarah, no continente europeu e o que acontece a Kimberly com a sua chegada a St. Oswald’s. Também nesta segunda narrativa, sentimos o adensar da tensão à medida que ventos da guerra se espalham pelo velho continente.

Não obstante os pontos positivos que surgem sublinhados na própria sinopse, na contracapa do livro, designadamente a riqueza das descrições e o nível de detalhe das mesmas, num olhar quase cinematográfico sobre os locais onde decorre a acção, a verdade é que, no nosso entender, a obra enferma de algumas incoerências. Desde logo a já referida questão do narrador omnisciente não participativo, mas também o facto de nessa mesma narrativa se passarem vários capítulos onde a figura central (ou mesmo aglutinador) é o seu pai, Henryk, sabendo-se apenas de Sarah através de cartas por ela enviadas a partir da Universidade de Gottingen, quer aos seus pais, quer a Esther. 

Lendo a obra compreendemos o contexto em que surgem estes capítulos dedicados ao pai de Sarah, no sentido de explicar os “fantasmas” que também atormentam esta personagem (e aproveitamos para acrescentar que esta obra é rica em personagens que carregam sombras dos respectivos passados, talvez até em quantidade excessiva), contudo, não deixamos de considerar uma opção menos positiva, a de preferir centrar a narrativa na carreira política de Henryk em Oshpitzin, ao invés de permitir que o leitor acompanhasse a vida de Sarah, o seu percurso académico e o encontro com Aleck Hirsch em Gottingen, sobretudo numa altura tão crucial e fervilhante da história da Alemanha, como a da ascensão do Partido Nacional-Socialista (NSDAP), o que não se afiguraria, decerto, como tarefa difícil para um estudioso do Holocausto.

Em suma, estamos perante uma narrativa, sem sombra de dúvidas, pungente e, nalguns momentos, bastante interessante e surpreendente, mas que, na nossa modesta opinião, parece-nos bem longe das críticas que apontam este livro como uma obra-prima.
Por certo ficaremos atentos a novas obras deste autor.  

2 comentários:

  1. Discordo de quase tudo. É espantoso (e ainda bem) que se possa fazer leituras tão distintas da mesma obra. Então quando refere que a narrativa deveria acompanhar o percurso da Sara na alemanha fico mesmo boquiaberta. O que este livro tem de melhor é exactamente a forma como nos mostra auschwitz antes do holocausto. O que se passou na alemanha já está visto revisto e sabido e é tema de milhares de livros. Acho infinitamente mais interessante perceber como viviam os judeus de auschwitz antes da guerra (e até conhecer as tricas políticas) do que mais um romance entre dois judeus apaixonados no meio das vicissitudes criadas pelos nazis. Clara Garcia

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    1. Olá Clara!

      Obrigada pelo seu comentário, antes de mais. Tem toda a razão, é interessante ver as diferentes ilações que se tiram de um livro. Eu estou curiosa com este livro e como já o herdei, será minha leitura em 2016. Sou um pouco verdinha em leituras com esta temática, confesso.
      Continuação de boas festas! Um beijinho

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