Opinião por Ricardo Grosso
Foi com alguma expectativa que descobri esta obra da colecção Ilhas Encantadas, da editorial Bizâncio, uma colecção da qual, muito honestamente, apenas tinha ouvido falar.
Deparei-me então com um livro cujo género poderemos categorizar, à partida, como thriller histórico, pese embora quase toda a acção se desenrole na actualidade, a verdade é que as alusões ao passado, sobretudo aos tempos bíblicos, estão sempre presentes ao longo da narrativa como, de resto, verificaremos adiante.
Ao visualizarmos a sinopse na contracapa, reparamos que esta obra nos remete, quase imediatamente, para um tema sobre o qual já muito se escreveu, os chamados Manuscritos do Mar Morto e a sua suposta relação com o tesouro perdido do Templo de Jerusalém, em busca do qual já muitos pereceram ao longo de quase dois milénios. O nome da antiquíssima cidade de Jerusalém traz à memória imagens de um destino longínquo e exótico, mas também um dos principais focos de tensões religiosas do globo.
É com esta espécie de cartão de apresentação que o autor convida os leitores a entrarem nesta narrativa que efectivamente os leva de Nova York a Jerusalém, com breves passagens por Paris.
Travamos então conhecimento com um dos protagonistas da história, Tom Hopkins, um jornalista do New York Times que na sua busca incessante pelo prestigiado prémio Pulitzer acabou de sair do anonimato da sua redacção, após ter feito uma reportagem de investigação. Abro aqui um parêntesis para dar a minha explicação sobre o significado de reportagem de investigação, uma vez que admiro a forma como as mesmas levam o conceito de “sociedade de informação” a um novo patamar, e que, pela espectacularidade com que são publicadas nos jornais, ou transmitidas num qualquer canal de televisão, nos põem a pensar sobre “quem, afinal, deverá ser encarregue de fazer investigações? A polícia ou os jornalistas?”
Fechado este parêntesis, voltemos então ao protagonista Tom Hopkins que conhecemos após a conclusão da sua investigação sobre uma zona muito particular de Nova York denominada Little Odessa e as ligações da mesma com organizações mafiosas russas. Porém, a investigação de Tom parece ter aberto uma caixa de Pandora com cerca de 2000 anos, uma caixa que também desperta o interesse da máfia que não hesitará em afastar quem quer que se lhes atravesse no caminho.
Fazendo uso do velho ditado “todos os caminhos vão dar a Roma”, em apenas meia centena de páginas percebemos que, neste livro, todos os caminhos irão dar a Jerusalém e às suas muralhas milenares, onde os ecos do passado se ouvem a cada esquina, em cada ruína e em cada alfarrábio.
É neste contexto que o protagonista Tom irá travar conhecimento com o outro protagonista que é, nada mais, nada menos que o próprio… Marek Halter. Na verdade, antes do protagonista conhecer o seu “criador”, temos alguns capítulos anteriores onde Marek Halter já aparece, mas com uma narrativa mais de índole pessoal e aparentemente paralela, ou seja, sem qualquer relação com a narrativa do que se passa em Nova York.
Na minha modesta opinião de leitor, se as narrativas se tivessem mantido paralelas, eu, nada teria a obstar, porém, e pedindo antecipadamente desculpa se o que vou escrever parece ofensivo, parece-me demasiado narcisista, já para não dizer naif, que o autor se coloque a si próprio na pele de protagonista, uma vez que eu entendo que o autor é, por assim dizer, o demiurgo da obra, em toda a sua plenitude, desde a narrativa, o espaço, o tempo, até ao processo de criação de personagens, tendo inclusive, direito de vida e morte sobre as mesma, sendo por isso que, a mim, pessoalmente, faz-me alguma confusão que um autor queira ser simultaneamente o criador e um protagonista da sua criação qual deos ex machina.
Apesar deste aspecto, a meu ver, menos positivo, a narrativa pareceu-me muito bem estruturada apesar de, como referi no início, focar um tema já bastante debatido, como os manuscritos do mar morto e o paradeiro do tesouro dos templos de Jerusalém, quer o de Salomão, como o de Herodes, o Grande.
É, contudo, uma narrativa que também requer alguns conhecimentos de história bíblica, uma vez que é considerável a quantidade de diálogos em que se faz alusão, com elevado grau de detalhe, aos textos bíblicos, estando também presentes várias referências a civilizações da antiguidade oriental, como a Pérsia Aqueménida, a Babilónia, a Assíria ou o Egipto, civilizações essas que, em ao longo da antiguidade, dominaram o território que corresponde, actualmente, ao Estado de Israel.
Em resumo, posso afirmar que, do ponto de vista de um leitor com formação em história, é uma obra cativante onde à acção e ao romance se juntam a religião e a arqueologia, formando os condimentos de uma narrativa rica e diversificada e levando-nos a conhecer os recantos e os arredores da cidade que é considerada sagrada para as três grandes religiões monoteístas, Judaísmo, Cristianismo e Islão.