Sinopse: Quando Ana nasceu, o mundo mudou. Durante cinco mil anos, o mesmo milhão de almas renasceu uma e outra vez, guardando consigo a memória das experiências vividas e de tudo o que aprenderam. Mas Ana é nova. Não é nenhuma das almas que todos conhecem desde o princípio de tudo e, por isso, a sua existência é, para muitos, perturbadora.
Temida ou desprezada pela maioria, incluindo a sua própria mãe, Ana quer apenas descobrir quem é e porque nasceu. São essas as razões que a levam a partir em busca de respostas. Mas a perigosa jornada até a cidade Coração é apenas o início da aventura e, contando apenas com a proteção de um amigo inesperado, Ana está longe de imaginar que o seu mistério se prende com o coração da própria cidade.
Opinião do Ricardo: Incarnate é uma obra da jovem escritora norte-americana Jodi Meadows, publicada recentemente pela Lapis Azul, uma chancela da Individual Editora, tratando-se de um romance do género high-fantasy, inserido no sub-género young adult. Este título é o primeiro de uma tetralogia, denominada Newsoul (Alma nova) da qual fazem parte as sequelas Asunder, Phoenix Overture e Infinite.
No presente livro somos então levados até uma realidade alternativa onde existe Alcance, ficando o leitor sem saber, exactamente, se se trata de um continente, uma região ou um país, uma vez que a autora não nos dá muitas pistas sobre o espaço onde decorre a acção, demonstrando apenas que se trata de um território onde habitam, para além de humanos, dragões e silfos, sendo estes últimos uma espécie de sombras que queimam quem quer que lhes toque. Ficamos também a saber que nos limites de Alcance habitam também centauros e que há um grande mar para lá daquele território.
É neste ponto que surge a minha primeira crítica a Jodi Meadows. Quando alguém imagina um universo paralelo e o quer partilhar com os leitores, o melhor que há a fazer é, no mínimo, elaborar um mapa do território sobre o qual contamos a nossa história. Há vários exemplos de autores do género fantástico que, para uma melhor compreensão, ilustram as suas obras com mapas do(s) espaço(s) onde decorre a acção, seja a Terra Média de J. R. R. Tolkien, ou Westeros de George R. R. Martin ou ainda as Terras de Corza da escritora portuguesa Madalena Santos.
Ler, aos 32 anos, uma história de high-fantasy direcionada para um público adolescente e denominado young adult acaba por ser uma sensação agridoce, na medida em que a idade já se encarregou de nos inculcar um pensamento mais terreno e embora, por vezes, ainda ousemos sonhar, fazemo-lo de uma forma bastante diferente do que faríamos se estivéssemos em plena adolescência.
A trama conta-nos então que a sociedade humana de Alcance, cuja capital é a cidade de Coração, é composta por um milhão de almas que, pelo menos, durante cinco mil anos foram reencarnando em diferentes corpos, mantendo as memórias das suas vidas passadas, até que, numa noite em que o templo de Coração se encheu de trevas, uma das almas imortais desapareceu para sempre, nascendo em seu lugar Ana, uma rapariga que não tem qualquer memória de vidas passadas e que se assume como uma “sem alma”.
Abandonada pelo pai e desprezada pela mãe, Ana vive os primeiros 18 anos da sua vida arredada do resto da sociedade, até que, atingindo a sua aparente maioridade (uma vez que o narrador omnisciente apenas alude à sua idade e não ao conceito de maioridade), Ana decide ir até à capital, Coração, com o intuito de apurar as suas origens e a razão da sua existência. Pelo caminho vai-se deparar com vários perigos que espreitam nas florestas de Alcance, mas vai também encontrar aliados, embora nem tudo seja o que parece.
No fundo, ao longo da leitura fui-me apercebendo com alguma facilidade que esta narrativa consubstancia uma certa metáfora sobre a adolescência que, de um modo geral, se manifesta como uma fase turbulenta da vida de todos nós, em que nos sentimos diferentes, levando-nos a questionar a autoridade parental e até a realidade social que nos rodeia, quando o idealismo e a revolta são, muitas vezes, catalisadoras de uma vontade de mudar o Mundo para que, anos mais tarde, a aquisição da necessária maturidade nos faça compreender que estamos, de forma indelével inseridos nessa mesma realidade social com todo o seu sistema de regras.
Será também este o desafio de Ana. Embora inicialmente insegura e ignorante no que concerne ao funcionamento da vida em sociedade (uma vez que a mãe a havia mantido afastada de grande parte da população humana de Alcance) vamos assistindo a uma evolução da personagem ao nível da aquisição de competências e da natural maturidade, ambas necessárias à plena inserção na vida em sociedade. Ana vai também aprendendo que embora haja quem para ela olhe com desconfiança e até medo, devido à sua condição de “sem alma”, há também aqueles para quem ela é uma “alma nova” e que pode significar uma mudança no paradigma social de Coração e dos seus habitantes.
Uma palavra menos positiva apenas para o facto de, algumas vezes, a falta de confiança de Ana em situações chave nos levar a exasperar, para de seguida, acabarmos por sorrir, porque estamos perante uma personagem adolescente com todos os seus receios e contradições.
O ritmo da escrita de Jodi Meadows poder-se-á dizer que vai sofrendo altos e baixos ao longo da narrativa, havendo uma parte inicial bastante movimentada, que é sucedida por uma longa parte mais pausada que consiste no adensar do mistério e na descoberta de peças do puzzle que irão desembocar no climax e numa nova narrativa ritmada e de cadência elevada. Apesar deste facto, a narrativa termina numa espécie de anti-climax, deixando o leitor em suspenso e com várias perguntas sem resposta, provavelmente com vista à criação de expectativas para as sequelas já aqui indicadas.
Uma outra palavra menos positiva para a quantidade anormal de erros de escrita com que nos deparámos no decorrer desta leitura denotando um trabalho de revisão de texto pouco cuidado e que acabou por prejudicar um pouco a leitura.
Em suma, estamos perante uma leitura bastante light que será, porventura, do agrado de um público mais juvenil ou, de todos os que apreciem narrativas de realidades alternativas povoadas de criaturas fantásticas, mau grado, os aspectos menos positivos já aqui frisados.