Este é o terceiro livro da tetralogia de Mons Kallentoft, tetralogia essa onde cada volume corresponde a uma estação do Ano. Acompanho desde o início, esta saga protagonizada por Malin Fors que teve como primeira investigação,
Sangue Vermelho em Campo de Neve, correspondendo ao crime ocorrido na estação do Inverno.
Um dos aspectos que é importante destacar é a rapidez com que a editora D. Quixote publicou este livro. Após ter lido
Anjos Perdidos em Terra Queimada, no passado Verão, foi com uma enorme surpresa e agrado que tive conhecimento da publicação do terceiro livro, pouquíssimos meses após a saída do segundo volume. A editora tenta acompanhar as estações do ano para lançar o livro alusivo aos mesmos, mas Mons Kallentoft não terá certamente equacionado este estranho fenómeno das alterações climáticas, tendo nós a sensação de ter passado do Verão imediatamente para o Inverno.
Esta é daquelas sagas onde não considero fundamental a leitura dos livros por ordem de publicação. É certo que os protagonistas são os mesmos, mas os casos descritos são completamente independentes. Neste livro, a personagem fulcral da trama é Jerry Petersson, um advogado ávido por dinheiro e que compra o castelo de Skogsa à estranhíssima família abastada Fagelsjo. Eis que este, misteriosamente aparece morto no fosso do castelo. Quando Malin Fors e a sua equipa investigam o caso irão descobrir que Petersson era mais do que um simples advogado. Tem segredos que poderão explicar o porquê deste destino...
As primeiras páginas do livro ditam um destino conturbado para Malin Fors. que se depara com um problema pessoal. Para os mais ansiosos, diria talvez que este início é um pouco lento, debruçando-se essencialmente na vida pessoal de Fors. Desta forma, é feito um enquadramento da situação familiar da inspectora que mudou radicalmente nas suas relações nomeadamente com a filha Tove e o ex-marido Janne. Conforme sabem os leitores da tetralogia de Mons Kallentoft, o último livro, Anjos Perdidos em Terra Queimada, teve um desfecho não muito positivo para Tove. De facto, as marcas na filha da inspectora tiveram tal proporção que catapultaram a mãe para um precipício de destruição. No entanto, este contexto pessoal da inspectora é importante, especialmente para quem pretende ler o Segredo Oculto em Águas Turvas, sem recorrer à leitura prévia dos livros anteriores.
O autor volta a usar aquela que foi a fórmula que o distingue dos restantes policiais: a introdução de relatos dos falecidos intercalados na narrativa. Inevitavelmente isto resulta... Se é maçudo ou repetitivo, perguntam vocês, eu diria que não. Com estes testemunhos, acabamos por conhecer um pouco da personagem que até aí funcionou quase como um mero figurante, mas que acaba por ter um papel vital na trama: o de vítima de homicídio. Kallentoft preocupa-se assim em dar um ponto de vista sobre a morte, e o que terá sido a existência dessa personagem para que o leitor sinta alguma proximidade e eventualmente empatia com a mesma. E em geral, estas vítimas que vão sendo comuns nos livros do autor, têm diferentes personalidades e todas carecem de um mau íntimo.
Afinal "dar vida" aos mortos é uma ideia controversa mas de certa forma inovadora na literatura policial e interage muito mais com o leitor do que as vítimas de homicídio com que nos costumamos deparar.
Também denotei uma evolução no autor, nomeadamente através do realismo de descrições espaço físico onde decorre a acção, falo sobretudo do castelo. Senti uma familiaridade com certos elementos portugueses e tentava constantemente estabelecer comparações com os nossos castelos e palácios. Agrada-me particularmente a escrita de Kallentoft, que abraça a vida pessoal das personagens com a investigação dos casos, mas sobretudo, acho aqueles monólogos dos mortos, algo de outro mundo. O leitor quase que sente na pele o clima de sobrenaturalidade que o autor realça nessas passagens, e que, brilhantemente, se adaptam no meio da narrativa do "mundo real".
Grande parte das personagens são comuns aos livros anteriores. Comecemos então por Malin Fors. Se a inspectora era alvo de admiração anteriormente, aqui esta personagem decai e no início, o leitor muito dificilmente sentirá algo além de pena e compaixão... As restantes personagens, já nossas conhecidas, debatem-se com os seus problemas pessoais, nem os considerados heróis da trama (toda a hierarquia da polícia) estão imunes a uma panóplia de problemas que se reflectem essencialmente nas suas vidas.
Em relação aos irmãos Katarina e Fredrik Fagelsjo, que família! Fiquei impressionada por duas personagens que nem se dão muito a conhecer, mas que conseguem fascinar sobremaneira o leitor. São de facto personagens complexas, mas muito reais, ao longo da narrativa, levanta-se a dúvida "Que terão eles a esconder em relação à sua fortuna e a necessidade de terem vendido o castelo?"
Só apontaria o facto do autor, a certo ponto, me ter confundido com nomes das personagens tão parecidos quanto Anders e Andreas e que desempenham papéis relacionados na trama... Por si a antroponímica sueca já é consideravelmente complexa.
Achei que o livro aborda temas bastante credíveis e até comuns na sociedade actual. Falo portanto do alcoolismo (e a facilidade que se cai num vício deste tipo) e as consequências de uma mentalidade deveras ambiciosa, explorando o trauma e a evolução deste quando o mesmo não fica bem resolvido.
Um livro cuja estrutura é deveras fascinante. O autor envolve a trama com dois pormenores: o primeiro, já comentado, os monólogos dos mortos, que conferem uma certa originalidade à narrativa. O outro, já visto outrora em policiais, é o recuo temporal. O autor, à semelhança da conterrânea Camilla Lackberg, incorpora acções passadas nos anos 70 e 80, para nos apresentar em primeira mão, factos que terão alguma importância na actualidade. Ao longo de todo o livro, há o desvendar de inúmeros pormenores tanto sobre Petersson como sobre a família que deixarão o leitor boquiaberto.
Se o livro acaba bem...? Terá que ser o próprio leitor a descobrir, embora me sinta impelida a chamar a atenção para o desfecho da narrativa relativamente à personagem Maria Murvall, desfecho esse que nos deixa com uma enorme curiosidade relativamente ao último volume da saga.
Um livro que não posso deixar de recomendar aos fãs do policial. E não escondo que, dos três livros, o segundo foi até à data o meu preferido. Ainda assim fico, ansiosamente, à espera do quarto e último volume desta saga que acredito, irá marcar os fãs deste género.