Anjos na Neve é o livro de estreia do norte-americano residente na Finlândia, James Thompson. Um livro que entrou directamente no top dos meus favoritos da colecção Alta Tensão. Depois de ter lido policiais suecos, noruegueses, islandeses e dinamarqueses, era a Finlândia, o país escandinavo a que faltava um representante do género, editado em português. Esta lacuna foi ultrapassada com a leitura de Anjos na Neve.
A trama inicia-se quando Kari Vaara, inspector da polícia numa aldeola finlandesa, é chamado para investigar o crime de Sufia Elmi, uma actriz de filmes de categoria B, com origem somali. Estamos na época do kaamos, em que é de noite 24 horas por dia e tudo na Finlândia parece enfadonho e depressivo, o que influencia a esposa de Vaara, Kate, americana, que não se familiariza com os costumes do País.
De facto o autor revela-se já como profundamente enraizado num país onde, a cultura é completamente diferente tanto dos valores europeus como os norte-americanos. Sei que o autor é americano mas reside na Finlândia há dez anos, num país onde raramente existem serial killers, os finlandeses não expõem muito os seus sentimentos mas são xenófobos não assumidos.
A morte de uma estrangeira é já algo frequentemente retratado na literatura policial mas não deixa de despoletar conflitos culturais e sociais, ainda mais distintos quando se fala dos nórdicos, em contraponto com os mediterrânicos.
Thompson descreve com um tom crú mas real os procedimentos de uma autópsia bem como os pormenores de toda uma brutalidade na mutilação de um cadáver. Não é fácil digerir os detalhes da extrema violência no corpo de Sufia, deveras chocantes até para o mais forte dos leitores. A linguagem gráfica a que o autor se refere a práticas sexuais e fetiches poderão igualmente deixá-lo chocado.
Mas o bom livro policial se caracteriza desta forma, a meu ver, não existem eufemismos para algo tão cruel como o homicídio.
Uma história contada na primeira pessoa, por parte de Kari, onde usa o tempo verbal do Presente do Indicativo, que induz a sensação de vestirmos a pele do inspector e acompanharmos toda a investigação a par e passo a partir do momento em que se inicia a leitura. Com capítulos curtos e deixados em aberto, o leitor anseia por ler mais um e sem dar conta, chegar ao final. E claro, o livro tem cerca de 250 páginas, o número certo para quem escreve um bom policial sem se perder nos pormenores fúteis. Torna-se aliciante ler este livro, e por mim falo que o li em apenas um dia! A história é daqueles que prende o leitor, e este não descansará enquanto não conhecer toda a verdade sobre Sufia e os segredos que esta escondia.
Fantásticas as personagens que Thomson cria. O inspector Kari Vaara, divorciado, que deixa os seus esqueletos no armário quando conhece a americana Kate e se apaixonam apesar da sua diferença de idades. A própria infância do inspector bem como a relação com os seus pais são aspectos peculiares que o leitor irá gostar de conhecer.
Kate, a sua esposa, que duvida da cultura finlandesa mostrando como contraponto, os costumes norte-americanos mas que ama condicionalmente (e mostra-o) o inspector. É uma personagem bastante ternurenta e que ameniza tantos sentimentos de ódio e revolta que vamos experienciando à medida que desfolhamos as páginas do livro. Mas o confronto de costumes não é apenas nesta relação que é explorado. Neste livro, o leitor irá conhecer os valores incutidos aos muçulmanos e que darão que pensar!
Um enredo intenso que irá mexer com o leitor quer pela qualidade da história, quer na parte da investigação, bem como o desenvolvimento de um súbtil paralelismo entre a cultura finlandesa, por parte de Vaara e os costumes norte-americanos de Kate.
Apesar da morte de Sufia ser fulcral no enredo, haverá outros dramas, completamente inesperados, que farão com que o leitor fique genuinamente surpreendido. O suspense brilhantemente alia-se às reviravoltas inesperadas na trama, contemplando as passagens pessoais das personagens, havendo um racio equilibrado entre as componentes.
Curioso foram as palavras escritas em finlandês, desde o puro calão até às mais singelas, como Obrigado e Amo-te, tornando-se uma leitura também interessante e didáctica na aprendizagem de pequenas palavras finlandesas.
Depois o próprio livro inspirou-me a pesquisar imagens sobre auroras boreais e estas noites polares nos invernos que conseguem chegar à temperatura de 40º negativos! Embora munido destas características tão invulgares, a Finlândia tornou-se um país inspirador. A abordagem e a comparação do caso presente com o da Dália Negra, deixou-me extremamente curiosa em ler a referida obra de James Ellroy.
O único aspecto negativo que posso apontar será o tempo que tenho que esperar até à publicação do livro seguinte desta saga protagonizada por Kari Vaara. Um livro que recomendo, sem sombra de dúvidas. Uma excelente história que deixa-lo-à chocado com a violência, comovido com o amor que supera diferenças culturais e acima de tudo, atraído pela Finlândia e seus costumes.
Quanto à publicação deste primeiro policial finlandês, só tenho algo a dizer à Porto Editora: Kiitos!