segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Catriona Ward - A Última Casa em Needless Street [Opinião]

Sinopse: AQUI

Opinião: Escrever sobre este livro sem revelar nada sobre o que nele encerra é uma tarefa deveras difícil. Ainda assim, aceito o desafio. Afinal de contas, estamos perante um livro único e que oferece uma experiência de leitura bastante peculiar.

Antes de mais, gostaria de endereçar um agradecimento à Porto Editora por me ter enviado a obra - ainda que esteja num período de maior inactividade aqui no blogue - com uma jacket personalizada. A campanha de marketing em apreço suscitou-me curiosidade de imediato contudo, lamentavelmente, não tive grande disponibilidade em iniciar a leitura mais cedo.

Pode ser uma imagem de livro 

Terminei ontem de madrugada esta história que tem tanto de perturbadora como original. Sou honesta: não foi a primeira vez que me deparei com uma trama deste género na literatura pois esta encontra-se na linha de um livro que nunca foi publicado por cá, embora tenha ouvido o audiobook - I´m thinking of ending things - e, após a revelação final, recordei-me imediatamente de dois filmes (os leitores que sentirem curiosidade poderão enviar-me mensagem que informar-vos-ei sobre os mesmos).

Deverei continuar a ser sincera convosco: esta é uma obra que devem ler sem saber nada sobre a mesma - bem, isto provavelmente quererá dizer que apenas os leitores que já terão lido o livro irão, à partida, ler a minha opinião. Por ter esta percepção, também não vos quero entregar muito sobre a história que é narrada sob quatro vozes, sendo que, para mim, a mais fascinante foi a de Olivia. Creio que esta minha sensação dever-se-à ao facto desta personagem ser um gato o que torna bastante incomum ter a perspectiva de um animal doméstico num thriller. Associamos os animais de estimação a sensações de conforto e carinho, sentimentos bastante antagónicos àqueles que este género deve despertar. Por isso, também os estranhos testemunhos de Olivia me deixaram, de certa forma, algo inquieta, sensação que se intensificou aquando lia os pontos de vista de Ted. Não vou mentir: esta personagem, aparentemente oligofrénica, também me deixou bastante intrigada. É na perspectiva da figura masculina que a história ganha mais corpo e, curiosamente, estive sempre a oscilar se esta personagem seria confiável ou não, o que conduziu a ter sentimentos ambíguos por ele na grande maioria do tempo de leitura. Há aqui um ponto bastante curioso, não sei se terei sido a única a percepcionar: considerei a primeira revelação algo previsível tendo ficado um pouco decepcionada. Perguntei-me se a restante obra iria gravitar sobre aquele twist. Em caso afirmativo, seria uma enorme pena. Contudo, à medida que me embrenhei na leitura, fui sendo apanhada numa teia de surpresas. Lá está, eu não pesquisei nada sobre a obra e conhecia apenas a sinopse por isso a minha noção sobre esta era muito limitada e consegui ter mais prazer com a leitura em apreço.

Este é um livro estranho. Ainda que esteja numa fase de parcas leituras, não o caracterizaria como um page turner - carece das características do mesmo. É uma obra exigente que convida a uma leitura mais pausada, mais atenta aos pormenores. A forma como está estruturado assim o exige: subtramas narradas no presente ainda que possam ter ocorrido no passado e episódios algo excêntricos que nos obrigam a reflectir sobre o que acabámos de ler. Ainda assim, é um livro que é muito difícil de pousar e interromper a leitura sem que fiquemos a cogitar sobre a mesma. 

Devo mencionar uma nota bastante positiva para o posfácio enriquecedor que encerra o livro. Achei-o tão satisfatório quanto a história em si e motivou-me a ler mais sobre esta narrativa. Assim que terminar esta recensão crítica vou também averiguar o que outros leitores pensam sobre esta obra. Confesso que o livro não me tem saído da retina desde que acordei.

Em jeito de conclusão, não posso dizer mais nada a não ser que A Última Casa em Needless Street oferece uma experiência única de leitura que vale a pena ser atentada. Reconheço, no entanto, que devido à forma tão peculiar com que esta história é apresentada, poderá não deslumbrar uma fracção de leitores. 


sábado, 3 de abril de 2021

Ashley Audrain - Instinto [Opinião]

   

Sinopse: AQUI

Opinião: Instinto é a nova aposta da editora Suma de Letras em termos de thriller. Poder-se-ia dizer que não é um título totalmente inovador na medida em que segue a linha de obras como The Bad Seed de William March, We Need to Talk About Kevin de Lionel Shriver ou Baby Teeth de Zoje Stage. Ao revelar este facto não creio, de todo, que esteja a cometer algum tipo de inconfidência similar a um spoiler. Afinal de contas, a psicopatia revela-se num espectro de acções e actos diferentes, tendo apenas como denominador comum, o efeito de choque, mais acentuado sobretudo naqueles que experienciam a maternidade.

Começo a minha opinião por confidenciar que já não leio avidamente um livro desde Novembro do ano passado. Contudo, esta obra fez-me redescobrir a emoção que sinto quando leio um livro, e, nesta altura da minha vida, posso assegurar-vos que a minha incredulidade se fez sentir mais do que nunca. Não creio que o impacto da obra dever-se-á apenas ao meu estado de espírito actual. Estamos perante um livro que, penso ser consensual, irá consubstanciar um verdadeiro impacto emocional na medida em que disseca, sem grandes floreados, uma relação entre mãe e filha altamente disfuncional. Levanta muitas questões do foro psicológico, nomeadamente onde começa este vínculo e a partir de que acções este começa a assumir contornos mais desviantes. Sim, minhas amigas mães, vós ireis reflectir muito sobre este assunto, não tenho qualquer dúvida.

Não obstante, por apresentar um conteúdo tão polémico, Instinto também dará azo a uma larga panóplia de ilações, crendo eu que não conseguirá deixar ninguém indiferente. Ainda que se consiga encarar esta obra como uma mera história de ficção, penso que a mesma é chocante o suficiente para sugerir uma reflexão, como referi, por diversos momentos, mesmo quando não estamos a ler. É, indubitavelmente, uma obra que nunca sairá da retina. 

Escrito sob o ponto de vista da progenitora, Blythe, conseguimos ter a perspectiva em primeira mão, de uma mãe que se debate com alguns desafios próprios da maternidade. Poderá ser um ponto positivo uma vez que a informação chega ao leitor de forma madura e sincera, não obstante considerar que a perspectiva da criança poderia acrescer de um maior impacto. A acção retrocede até ao passado para que possamos perceber o panorama familiar da protagonista. Pessoalmente, considerei que esta subtrama não trouxe grande importância, no entanto reconheço que o título, Instinto, poderá ser alusivo de algum traço psicológico que passo passar, eventualmente, de geração para geração. 

Alguns episódios são, naturalmente, de difícil digestão e creio que o mais impactante ocorreu sensivelmente a meio da trama, pelo que, devo confessar, esmoreceu um pouco o meu entusiasmo. Tinha em mente, como paralelismo, a obra de Lionel Shriver e, inconscientemente, fui estabelecendo uma comparação entre as duas histórias. Ainda assim, foi com bastante alento que prossegui a leitura, sempre na expectativa sobre como seria o percurso da história. E realmente, esta conseguiu sustentar um ambiente de tensão até ao final, altura em que, a meu ver, poderia ter sido mais emocionante. Atenção que esta é uma percepção altamente pessoal pois, por norma, não aprecio desfechos que apelam ao poder de sugestão. E sim, aceito que este terá um efeito mais ou menos intenso consoante o leitor. 

Mesmo assim, no seu cômputo, estamos perante uma obra muitíssimo bem conseguida que irá mortificar aqueles que são pais ou os que pretendem sê-lo. É uma obra que, por me ter chocado várias vezes no decorrer da leitura, não hesito em recomendar!