Robert Wilson é já um autor que consta na lista das minha preferências. Há um historial que vai além de ter gostado dos livros protagonizados por Javier Fálcon: Wilson esteve na Feira do Livro de Lisboa o ano passado e mostrou-se muito simpático e prestável quando lhe pedi que me autografasse os quatro (sim, a tetralogia de Fálcon). Estivemos um pouco à conversa, e achei que ele é representativo de como um escritor com alguma fama é verdadeiramente modesto para com os fãs.
Posto isto, vamos ao que verdadeiramente interessa.
Primeiro editado pela Gradiva com a capa que vos mostro aqui (a versão que possuo), depois sob a chancela da Dom Quixote, a minha preferência incide precisamente nesta. Penso que seja mais sóbria e representativa do Terreiro do Paço, local de Lisboa onde se passa grande parte da acção.
O Último Acto em Lisboa nada tem a ver com o inspector espanhol. Tendo eu já lido dois livros protagonizados por Falcón, tendo gostado de ambos, posso dizer que o estilo de narrativa em Último Acto em Lisboa me envolveu por completo. Não é que O Cego de Sevilha ou as Mãos Desaparecidas não me tenham cativado, na minha opinião, estes livros estão longe deste Último Acto em Lisboa no que concerne à história. O próprio enredo, mais complexo e elaborado do que a famigerada tetralogia do autor faz com que, a meu ver, esta obra e as anteriormente referidas não sejam comparáveis. E porquê perguntam vocês? Ora bem, neste livro, o autor usa uma fórmula pouco usual (tendo eu apenas lido de Jo Nesbo, O Pássaro de Peito Vermelho com este formato) consistindo na inserção de duas narrativas aparentemente diferentes (e distanciadas por um grande espaço temporal).
Então existem duas subtramas: uma correspondente ao ano de 1941, tendo como cenários, numa primeira fase os países da Alemanha e França, passando a acção posteriormente para Portugal. A outra passa-se nos anos 90 na cidade de Lisboa. O interessante desta dualidade situa-se, entre muitos pontos, por exemplo na descrição de Lisboa nos anos 40, o ponto de encontro mencionado outrora existente, o café Chave D´Ouro no Rossio.
Tendo o autor elaborado um excepcional trabalho de pesquisa, devo confessar que eu própria sou uma bastante leiga olisipógrafa, aprendi bastante sobre as reminiscências da minha cidade, ao ler com um detalhe e um nível de pormenorização bastante completo da cidade de Lisboa. Tendo em conta que o autor é britânico (ainda que actualmente resida em Portugal), não posso deixar de mencionar a excepcional investigação, digna de um dos livros da historiadora Marina Tavares Dias.
Além disso, há todo um panorama geral sobre a sociedade portuguesa, e a forma com que esta reagiu à Segunda Guerra Mundial, aspectos factuais leais à própria história contemporânea mundial. O autor faz uma prospecção alusiva a mesquinhez dentro do Portugal rural e conjuga-a nesta subtrama de uma forma bastante interessante, associando aos episódios de venda de volfrâmio durante o período da Segunda Guerra aos opositores Inglaterra e Alemanha, enfatizando os limites da ganância e traição entre sócios. E tudo isto no ambiente de censura regulado pelo Dr. Salazar. E é desta forma que acompanhamos a saga de Klaus Felsen numa dinâmica acção histórica, em que são debatidas questões referentes à ditadura de Salazar, Estado Novo e a revolução dos cravos.
O que de início parece ser uma história maçadora cujo pano de fundo é a Segunda Guerra Mundial, após umas quantas páginas lidas, rapidamente o enredo começa a prender. Devo confessar que destas duas subtramas (inicialmente independentes), a que tem acção na actualidade imediatamente deixou-me curiosa. Não é que Catarina, uma jovem de apenas 15 anos, foi morta e o cadáver foi abandonado na praia de Paço de Arcos (concelho de Oeiras). Após interrogatório à família, denota-se que a jovem tem uma grande experiência de vida face à sua tenra idade, sendo comuns o mundo das drogas e o sexo na sua versão mais hardcore.
Com isto quero dizer que há uma componente mais gráfica e obscena no que concerne a comportamentos sexuais, e estes podem eventualmente chocar o leitor quando temos em conta que falamos de meros adolescentes.
A minha intuição foi desde inicio, que as acções estariam de algum modo, interligadas. Não estava errada de todo, mas o fascinante da narrativa foi tentar juntar as peças para que no fim, se descubra uma ligação altamente improvável, imprevisível e surpreendente mas que ao fim e ao cabo, não foge da lógica que o leitor usa para tentar deslindar os casos. Pessoalmente fascinam-me histórias que façam fluir lentamente os segredos das personagens e que no final, estes convergem num desfecho altamente inesperado.
Depois as personagens são fantásticas. O meu preferido foi sem sombra de dúvidas, Klaus Felsen. O enredo destaca-o na forma em que acompanha a sua caminhada ao longo da vida, enfatizando a sua relação com mulheres, como posteriormente a sua parceria com Joaquim Abrantes e as consequências que esta trará. Penso que as personagens da actualidade também estão muito bem conseguidas, expressando que corrupção, segredos imorais e depravação podem estar em nosso redor sem que nos apercebamos.
E se há algo que atrai nas histórias de Wilson é a forma como ele as conta. Em o Último Acto em Lisboa para evidenciar a disparidade entre as subtramas, também a forma como estas são narradas é diferente. A subtrama referente ao inspector José Coelho é toda ela narrada sob o ponto de vista desta personagem, de forma a que vivamos na sua pele todo o seu drama pessoal bem como a evolução da investigação. Já o enredo de cariz mais histórico, o narrador é não participante.
Um livro que, além da vertente policial, é um retrato completíssimo da nossa história. Os mais cépticos poderão questionar a sua qualidade uma vez que este livro não é um policial puro na sua essência mas acreditem, recomendo vivamente a sua leitura!
Conseguiste transmitir completamente a essência do livro. A mim também me surpreendeu a caracterização que faz de algumas zonas do país, e principalmente de Lisboa. Acho que foi até o que mais gostei :) Além disso, as duas tramas paralelas pareceram-me originais e dificilmente poderia adivinhar o final. ¡Excelente resenha!
ResponderEliminarO último acto em Lisboa é de facto um dos livros que mais gostei de ler, tinha a certeza de que irias gostar. É um livro magnifico.
ResponderEliminarBeijinhos Vera, gostei muito da tua opinião, muito concreta, muito precisa. Parabéns.
Olá menina,
ResponderEliminaresse é um dos meus livros e autores favoritos de sempre!!!! já li tudo de wilson excepto a "companhia de estranhos" que é vendido a um preço estupidamente caro, enfim...
Já agora pergunto, ainda que offtopic, se tem novidades sobre a data de saída do próximo mons kallentoft...
bjinhos do CEA
olá CEA, como estás?
ResponderEliminarCala-te lá! Eu adoro este sr Wilson :D Consegui encontrar numa feira de alfarrabistas A Companhia de Estranhos, mas em estado muito usado. Peço preço trouxe logo. Penso que esse livro, juntamente com este Ultimo Acto em Lisboa são melhores do que a tetralogia do Falcon.
Em relação ao Mons, penso que está para breve. Aponta para finais de Maio/Junho ;)
Beijinho, boas leituras e aparece mais vezes por cá :))
Também sou fã :-). Tenho todos os livros dele publicados por cá, e de vez em quando, dou uma volta pela Net para saber quando há novidades.
ResponderEliminarVerdade... não temos tido livrinhos do nosso amigo Robert Wilson :(
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