quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Zoje Stage - Baby Teeth [Opinião]


Terminei mais um audiobook e este é bastante peculiar. Começo por mencionar que a experiência de ouvir esta história em audiobook foi bastante positiva uma vez que a narradora consegue fazer os vários sotaques das personagens, cativando o ouvinte.

Afianço-vos que ficarão chocados com este livro embora vá beber a duas obras cinematográficas: The Bad Seed de 1956 e The Omen de 1976. O tema é, como poderão depreender pela citação destes filmes, crianças diabólicas.
Baby Teeth debruça-se sobre uma relação disfuncional entre mãe e filha e esta é, claramente, a vilã da história.

Hanna, filha de Suzette e Alex, tem apenas 7 anos. A criança não fala e, apesar de ter sido sujeita a observação de vários pediatras, nenhum consegue apresentar uma razão que justifique o mutismo da menina. Além disso, apresenta um comportamento bastante hóstil em relação à mãe.

Conforme referi acima, não há como dissociar Hanna, às personagens de Rhoda Penmark (The Bad Seed) ou de Damien (The Omen), diferindo, obviamente, no cenário, na própria interacção familiar e no contexto social.

Escrito sob as perspectivas de Suzette e Hanna, o leitor consegue perceber as duas versões das personagens e claramente toma o lado de Suzette. É consensual afirmar que esta personagem desperta empatia uma vez que, para além de se debater com este problema da instabilidade da filha, sofre de doença de Crohn. Nunca tinha visto retratada esta doença na literatura e, pelo que conheço sobre a mesma, considero que a abordagem foi bastante realista, conferindo um toque de vulnerabilidade à personagem que se vê naquela situação complexa e invulgar. Além disso, somos confrontados com alguns episódios da sua infância, pautados por alguma negligência da parte da mãe de Suzette, intensificando a sua percepção em relação à filha. Sente que a tem que proteger a todo o custo embora, simultaneamente, não consiga lidar com a aparente indisciplina que esta apresenta. 

O pai, Alex, desresponsabiliza a filha, relembrando inúmeras interacções entre pais e filhos em que um dos progenitores é o the good cop. Não acredita, na maioria das vezes, nas acções de Hanna pelo que há um desgaste na relação entre este e a esposa.

Contudo senti que, em alguns momentos, a Hanna tinha mais do que 7 anos de idade. Normalmente as crianças com estas idades têm raciocínios muito mais básicos do que as ideias articuladas e posteriores acções da personagem, escrupulosamente planeadas, com vista a denegrir e magoar a sua mãe. A meu ver, houve assim alguma falta de credibilidade associada à caracterização de Hanna.

Além disso, como consideração final, creio que a menina carecia de uma explicação concisa para aquela forma de ser tão instável. O leitor não consegue perceber, no final de contas, se Hanna estaria mentalmente doente, se é psicopata (uma hipótese que, na minha opinião, facilmente é descartada tendo em conta os seus sentimentos pelo pai) ou se, em última análise e esta pertencendo ao campo sobrenatural, está possuída pela entidade que ela admira, Maria-Anne Dufosset - a última mulher queimada por bruxaria em França.

Constatei que, já na parte final da história, uma situação foi, a meu ver, altamente inconsistente. Ora havendo uma criança desequilibrada, será de esperar que os pais sejam mais contidos nos planos com a família, certo? Há um episódio que não me soou convincente por essa razão.

Ainda uma crítica sobre o final. Sendo um desfecho que está em consonância com a história, senti falta de uma reviravolta que me surpreendesse. Teria gostado que Zoje Stage fosse mais audaz com o clímax da história.
Não compromete, no entanto, que considere que Baby Teeth, sendo uma obra de estreia da autora, esteja bem conseguida.

Em suma, este é um livro tenso e cativante que nos leva a questionar uma série de aspectos referentes à maternidade. Não é uma trama original não obstante ter-me rendido ao livro. As acções praticadas por Hanna, com vista a magoar a sua mãe, chocaram-me genuinamente. 
Seria, sem dúvida, uma excelente aposta caso fosse publicado em Portugal. Recomendo!

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