Mais um livro lido e ouvido em inglês, um thriller psicológico simplesmente dilacerante e perturbador. Esta obra merecia ser atentada pelas editoras portuguesas. Fica a sugestão. O meu mês de Março fica pautado, assim, por duas Raparigas de Antes: a de JP Delaney e esta, de Rena Olsen.
Sem querer desvendar nada do enredo, querendo espicaçar-vos para a leitura da obra, mesmo em inglês, a trama fala sobre Clara, uma rapariga na casa dos 20s que foi encontrada dentro de um armário, junto de uma menina. O primeiro capítulo é, desta forma, repleto de acção e levanta uma pertinente questão: em que circunstâncias vivia Clara? Considero, por isso, que este livro desperta um súbito interesse logo no primeiro capítulo, percepção que ganha maiores contornos à medida que nos envolvemos na história.
Narrado sobre a perspectiva de Clara, a trama oscila entre os momentos do passado e os do presente onde percebemos que a protagonista viveu enganada durante toda a sua vida. Actualmente assume-se casada com Glen e, retrocedendo ao passado, acompanhamos como ela cresceu sob as rígidas ordens dos pais do marido, Mama Mae e o Papa G. Algo me diz que, por muitos livros que leia, nunca me esquecerei destas personagens.
Os episódios que pautam a sua vida, no passado, são contados de forma aleatória. Pessoalmente discordei da opção da autora. Teria preferido ter-me alheado do passado de Clara na sua forma cronológica. Até porque, escrito desta forma, o leitor tem conhecimento de certas informações que teriam maior impacto se fossem reveladas mais tarde. A título de exemplo, uma das primeiras situações do passado que ela relata é a morte de uma personagem (e apercebemo-nos que esta terá ocorrido num passado mais próximo). Este volta a protagonizar outros episódios, relatados mais tarde, muito embora já se saiba qual fora o seu desfecho.
Apesar de considerar a história toda pouco verosímil (ainda que saiba que acontecimentos traumáticos são bloqueados na nossa mente devido a um mecanismo psicológico denominado por recalcamento), não consigo entender como é que este pode apagar memórias passadas. Até porque, no presente caso, falamos de alguém cuja vida mudou aos 6 anos de idade e eu, ainda que, felizmente, não tenha experienciado nenhum trauma, tenho recordações de episódios antes dessa idade. Portanto não consegui entender como é que antes dos seus 6 anos de vida, as recordações de Clara tenham sido simplesmente apagadas ou se houve uma inibição de continuar a existência que tivera até então.
Também não entendi como é que há tantas raparigas que se submetem a uma situação tão decadente como a que é retratada em The Girl Before. E Clara, em especial, como é que não se apercebeu de que tudo o que fazia era em prol da degradação das muitas meninas que moravam com ela. E aquela relação dela com Glen. Seria uma extensão do fenómeno conhecido por Síndrome de Estocolmo?
Esta história levanta, como deixei antever, algumas questões pertinentes. E adianto que há uma outra muito interessante que se reflecte numa dubiedade entre uma vítima e um perpetrador numa situação limite como a que Clara atravessa.
Apesar destas incongruências, não pude deixar de atribuir 5 estrelas no Goodreads a esta obra. Tantas vezes me senti enredada por toda aquela manipulação e toxicidade que me senti genuinamente indignada, arrasada e por vezes esperançada. O desfecho foi emocionante não obstante ser previsível desde o início.
Um outro aspecto que gostaria de realçar foi o contexto da história. Este livro, salvo erro, foi escrito no ano passado mas a trama passa-se nos anos 90. Será mera especulação (ou uma constatação) de que os anos 80 havia mais facilidade em raptar uma criança, jogando com a morosidade em obter informação. Contrasta muito com a sociedade de hoje, em que a internet é a mais imediata mediadora de referências.
Não deixo de recomendar novamente este livro, salientando novamente o quão fiquei incrédula com o tema retratado, com o estilo degradante de vida de Clara e pela maldade incalculável daquela família.
Simplesmente arrebatador!
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