Sinopse: A sua escrita tem sido comparada à de um Poe do século XXI, à de Roberto Bolaño e à de Cortázar. Com estes partilha temas e, sobretudo, universos inquietantes, sombrios, em que o leitor perde rapidamente o pé e é arrastado para regiões malévolas, incontroláveis (da mente humana, do dia-a-dia) que o vão assombrar, insidiosamente, durante muito tempo. Certo é que Mariana Enríquez, que prepara já o seu próximo romance, cruza magistralmente a grande tradição latino-americana com uma voz muito própria, a sua: e que é feroz, visceral, feminista, política e humorística.
Opinião: Depois de ter conhecido a autora num Meet & Greet que teve lugar na Feira do Livro, coloquei As Coisas Que Perdemos no Fogo na mesinha de cabeceira para ser lido quanto antes.
Por norma, nem aprecio muito a narrativa em conto por achar que são histórias subdesenvolvidas. Porém, aquela conversa deixara-me curiosa em conhecer o estilo da autora bem como viajar até Buenos Aires sem sair do sofá. E o resultado? Muito, muito positivo!
De acordo com o que tinha percebido, primeiro numa conversa com a autora
Claudia Piñero (há dois anos, numa iniciativa da Gulbenkian) e agora
com Mariana Enriquez, o crime é algo banal nos países latino-americanos e estas short stories acabam por ser uma prorrogação da vida argentina quotidiana levada ao limite. Estava céptica com um ingrediente em particular, o sobrenatural, que verifiquei ter sido bem doseado ao longo dos contos. Pude constatar, acima de tudo, uma crítica social.
Em primeira análise, o que mais me fascinou, aspecto extensível a todos os contos, foi a vertente contemporânea e, acima de tudo, sombria. Consigo perceber que as mulheres têm um papel pertinente nos contos e que são exploradas as maiores atrocidades cometidas contra estas. Não consigo especificar um tema único que seja esmiuçado nesta colectânea.
Durante a leitura, assisti a um desfile de assuntos controversos, espelhando uma realidade social em Buenos Aires obscura. Desde a imolação (caramba, como me chocou o conto das mulheres que ateavam fogo a si mesmas como forma de protesto) e outras auto-flagelações, a pobreza (o tema fulcral da história que é o cartão de visita, O Rapaz Sujo), ou o folclore de assassinos na região (creio não me esquecer, tão cedo, de Pablo).
Grosso modo, todos os contos, uns com maior intensidade é certo, me deixaram bastante impressionada e eleger o meu preferido é árdua tarefa. Oscilo entre O Rapaz Sujo, Pregos Prega o Pablito: uma evocação do Petiso Orejudo, Fim de Ano, Nada de Carne Entre Nós ou o último, o que dá o nome à obra, As Coisas Que Perdemos com o Fogo.
Gostei muito da escrita de Mariana Enriquez. Penso que a autora cumpriu uma tarefa que reconheço difícil: a de envolver o leitor nas primeiras linhas de todos os contos. Pessoalmente, não consigo entrar dentro de uma história tão rapidamente e creio ser fundamental quando estas são de poucas páginas. A leitura é dinâmica e todas as histórias são, à sua maneira, envolventes e perturbadoras.
O único aspecto menos positivo que denotei foi, e creio ser relativamente comum aos livros de contos, a forma como alguns finais estavam subdesenvolvidos ou inconclusivos. Pessoalmente, teria gostado de ver uma narrativa mais desenvolvida em certos contos, o que evidencia o quão deslumbrada eu me sentia perante estas short stories ao ponto de querer ler mais ainda sobre as mesmas.
É, sem dúvida, um livro que me ficará na retina durante muito tempo. Não poderei deixar de recomendar, pois claro, aos fãs do género.
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