domingo, 2 de agosto de 2015

Pedro Jardim - O Monstro de Monsanto [Opinião]

Sinopse: AQUI

Opinião do Ricardo: A última leitura recaiu sobre a obra O monstro de Monsanto da autoria de Pedro Jardim e publicada pela Esfera dos Livros.

Antes de mais, importa salientar que o autor é um membro das forças policiais portuguesas, com experiência em investigação criminal, sendo também licenciado em Sociologia. Apesar do presente título ser o primeiro thriller deste autor, o mesmo tem já algumas obras anteriores, publicadas por diferentes editoras, designadamente histórias infantis como Crónicas do Avô Chico,  Dragão Rouxinol e o Gigante Gigantão.

Em O monstro de Monsanto estamos perante uma narrativa feita na primeira pessoa que percorre várias personagens, desde os protagonistas até ao próprio homicida, consubstanciando, tal facto, o aspecto mais original deste livro, na medida em que permite ao leitor percorrer o âmago dos principais personagens, nomeadamente os seus pensamentos e sensações, permitindo também observar in loco as interações entre as mesmas.

Somos então apresentados a Isabel Lage e a João Silva, dois operacionais da PSP parceiros de missão que partilham o sentido pelo dever, nutrindo, simultaneamente, sentimentos mais profundos que tentam, em vão, recalcar e que os vão afastando, paulatinamente, um do outro, conduzindo-os, desse modo, a destinos completamente opostos. Poder-se-á dizer que a primeira metade do livro é justamente centrado na relação entre estes protagonistas e nos caminhos diversos que ambos vão trilhando, sendo residual a ênfase dado aos homicídios e ao seu perpetrador.

Pessoalmente, gostaria de ter visto um maior destaque dado aos homicídios e à respectiva investigação policial, algo que decorre apenas na segunda metade desta obra, em detrimento dos acontecimentos mais romanescos entre os protagonistas, não obstante a importância que a relação entre ambos terá no desfecho da trama, até porque, como foi afirmado pelo próprio autor em algumas entrevistas, a principal ideia de O monstro de Monsanto era oferecer ao leitor um vislumbre, de forma mais verosímil possível, de todos os contornos de uma investigação policial. Essa intenção do autor apenas tem reflexo, conforme já referido, na segunda metade do livro.

Um denominador comum a quase todos os protagonistas é o facto de terem, ou parecerem ter, nas respectivas personalidades, um outro eu, que tanto as pode fortalecer em momentos de maior fragilidade emocional, como as pode empurrar em direcção ao mais profundo dos abismos. Felizmente, estes aparentes distúrbios de personalidade, que chegam a irritar um pouco o leitor, dada a interminável panóplia de dúvidas existenciais que tornam a narrativa mais morosa, parecem não afectar os personagens coadjuvantes, designadamente os parceiros de investigação de Isabel Lage, uma vez que é a ela que vai competir a direcção da investigação dos brutais homicídios das mulheres cujos cadáveres começam a surgir em pleno parque florestal de Monsanto.

Thriller existencialista ou policial filosófico, o certo é que a trama desta obra, de apenas 274 págs., é processada num ritmo lento, por vezes, demasiado lento e recheado de introspecções, das várias dúvidas existenciais dos protagonistas e também da poesia de Florbela Espanca, dando, muitas vezes, a sensação que estamos a ler um título muito mais volumoso, escasseando os capítulos onde, de facto, existe mais acção. Contudo, embora preferíssemos uma narrativa de cadência mais elevada, entendemos a morosidade da narrativa à luz da verosimilitude da própria investigação policial que o autor quis transmitir aos leitores, sendo portanto, uma opção artística do próprio autor e, desse modo, um risco calculado pelo mesmo, podendo haver quem fique agradado com tal opção artística e quem possa ficar um pouco menos agradado.

Uma palavra ainda para a poesia de Florbela Espanca que surge associada à simbologia dos próprios homicídios e cuja relação com o perpetrador me pareceu insuficientemente explicada nos capítulos finais. Dado o facto de o autor ter passado a sua infância em Vila Viçosa, terra natal da poetiza, acabei por ficar com a ideia de que a obra de Florbela Espanca foi inserida nesta obra um pouco “a martelo”, passe a expressão. De igual forma é também possível correlacionar a meninice alentejana do autor com a do seu personagem João Silva, havendo ali alguns laivos de alter ego, embora talvez apenas no que à infância concerne.

Em suma, O monstro de Monsanto é uma obra que tem inegável qualidade, não obstante as falhas apontadas, consubstanciando-se como uma fábula moderna sobre perdição e redenção, demonstrando também que o amor pode, nuns casos, superar a dor de uma longa separação, ou, em alternativa, tornar-se tremendamente obsessivo e destrutivo. Esperamos que a maturação de Pedro Jardim dentro do género thriller possa dar novos e bons frutos que dêem seguimento ao bom trabalho feito neste título ora esmiuçado.


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